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O aumento dos diagnósticos de autismo: tendências, causas e implicações – censo demográfico 2022

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) tem se tornado um tema cada vez mais presente nas discussões sobre saúde mental e desenvolvimento infantil.
Por Saúde em dia
09/11/2025 19:26 - Atualizado há 2 horas




O Transtorno do Espectro Autista (TEA) tem se tornado um tema cada vez mais presente nas discussões sobre saúde mental e desenvolvimento infantil. Nas últimas semanas, observou-se um aumento significativo nas discussões sobre o crescimento do número de diagnósticos de autismo, tanto no Brasil quanto no mundo. Este relatório busca analisar as tendências recentes, as possíveis explicações para esse aumento e suas implicações sociais, com base em dados oficiais, opiniões de especialistas e estudos científicos.

O autismo, caracterizado por alterações no desenvolvimento cerebral que causam mudanças na comunicação social e comportamentos repetitivos, tem sido objeto de crescente atenção da mídia, dos profissionais de saúde e da sociedade em geral. A compreensão das razões por trás do aumento dos diagnósticos é fundamental para o desenvolvimento de políticas públicas adequadas e para o suporte às pessoas no espectro autista e suas famílias.

O aumento dos diagnosticos de autismo censo 2022
O aumento dos diagnosticos de autismo censo 2022

Panorama Estatístico Atual

Dados do Brasil

De acordo com o Censo Demográfico 2022, divulgado recentemente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil possui aproximadamente 2,4 milhões de pessoas diagnosticadas com Transtorno do Espectro Autista, o que corresponde a 1,2% da população total. Esta foi a primeira vez que o IBGE incluiu uma pergunta específica sobre autismo no Censo, em resposta a uma legislação aprovada em 2019.

Os dados revelam uma prevalência maior entre homens (1,5% da população masculina) do que entre mulheres (0,9% da população feminina). A faixa etária com maior incidência é a de crianças entre 5 e 9 anos, onde 2,6% do total apresentam diagnóstico de TEA. Nesta faixa etária, a diferença entre gêneros é ainda mais acentuada: 3,8% dos meninos (264 mil) e 1,3% das meninas (86 mil) possuem o diagnóstico.

A distribuição geográfica dos diagnósticos é relativamente uniforme entre as regiões brasileiras, com a maioria apresentando a mesma taxa nacional de 1,2%. Apenas o Centro-Oeste ficou ligeiramente abaixo, com 1,1%. Os estados com maior número absoluto de pessoas diagnosticadas são São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, coincidindo com os estados mais populosos do país.

Comparação Internacional

Os números brasileiros são semelhantes aos encontrados nos Estados Unidos, onde dados recentes do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) indicam que 3,2% das crianças até 8 anos possuem diagnóstico de TEA. Assim como no Brasil, nos EUA o diagnóstico é significativamente mais comum em meninos, sendo aproximadamente três vezes mais frequente do que em meninas.

Um estudo recente mencionado durante o evento “Desafios e tendências do Transtorno do Espectro Autista (TEA)”, realizado em São Paulo em maio de 2025, apontou que nos Estados Unidos a proporção chegou a 1 para cada 31 crianças diagnosticadas com autismo. Em alguns países, segundo especialistas presentes no evento, a prevalência pode chegar a 1 para cada 40 nascimentos, representando “a mais alta prevalência em toda a psiquiatria”.

Possíveis Explicações para o Aumento dos Diagnósticos

Durante o evento realizado em São Paulo pelo Instituto D’Or em parceria com o Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP, especialistas discutiram os principais fatores que podem estar contribuindo para o crescimento dos diagnósticos de TEA. Entre as explicações mais relevantes, destacam-se:

1. Aumento Real da Prevalência

Segundo o psiquiatra Paulo Mattos, do Instituto D’Or, existe um aumento real da prevalência do autismo, não apenas uma percepção dos médicos nos consultórios. Estudos e levantamentos, como o realizado pelo CDC nos Estados Unidos, confirmam essa tendência de crescimento ao longo das últimas décadas. No entanto, os pesquisadores ainda não têm clareza sobre todos os fatores que têm impulsionado esse crescimento.

2. Idade dos Pais

A literatura científica já associou a idade materna (acima de 35 anos) e paterna ao aumento da incidência de certos transtornos, incluindo esquizofrenia e autismo. Com a mudança no estilo de vida e a tendência de casais terem filhos mais tarde, esse fator pode estar impactando o aumento dos diagnósticos. Contudo, os especialistas ressaltam que esse fenômeno social, por si só, não explicaria o crescimento tão exponencial dos casos observados nos últimos anos.

3. Diagnósticos com Menos Sintomas

Um fator importante mencionado pelos especialistas é a redução do número de sintomas necessários para o fechamento do diagnóstico. Segundo dados apresentados, a estimativa é que o número de sintomas que se tornaram necessários para o diagnóstico caiu 50%. Além disso, os pais estão relatando que, mesmo com um número de sintomas abaixo da fronteira do diagnóstico, seus filhos estão tendo prejuízos significativos para desempenhar atividades no dia a dia.

Um estudo escandinavo citado durante o evento revelou que, quando crianças diagnosticadas com autismo na comunidade passaram por uma segunda avaliação por pesquisadores, quase metade não tinha o diagnóstico de TEA confirmado, indicando possíveis diagnósticos excessivos ou imprecisos.

4. Falta de Preparo dos Profissionais

Os especialistas alertam para a necessidade de cautela ao fazer o diagnóstico do autismo. Um simples checklist de sintomas não reflete a realidade do paciente, sendo necessário realizar um raciocínio clínico mais aprofundado. A falta de preparo adequado dos profissionais pode levar a diagnósticos precipitados ou equivocados.

5. Maior Conscientização e Acesso à Informação

O aumento da conscientização sobre o autismo, impulsionado pelas redes sociais e pela maior disponibilidade de informações, tem contribuído para que mais pessoas busquem avaliação profissional. Na web, é comum encontrar vídeos de pessoas listando sintomas ou “testes rápidos” para diagnosticar o TEA, o que pode levar mais famílias a procurarem ajuda especializada.

Raphael Fernandes, analista do IBGE, comentou que “esse percentual mais elevado entre as crianças pode ser devido ao avanço e popularização do diagnóstico de TEA nos anos recentes”, reforçando a ideia de que a maior conscientização tem papel importante no aumento dos diagnósticos.

Ampliação do Espectro e Evolução do Conceito de Autismo

A própria definição de autismo tem se expandido ao longo das décadas, contribuindo para o aumento dos diagnósticos. Os primeiros estudos que descreveram o transtorno, nas décadas de 1930 e 1940, focavam em crianças com muita necessidade de apoio. Na década de 1990, com a incorporação da síndrome de Asperger aos manuais de diagnóstico, a definição do TEA começou a ser ampliada.

Pessoas com Asperger passaram a ser consideradas no espectro autista por apresentarem dificuldades sociais e comportamentos repetitivos, mesmo tendo linguagem fluente e inteligência preservada. Essa ampliação do espectro permitiu que mais pessoas fossem diagnosticadas, incluindo casos que anteriormente poderiam passar despercebidos ou receber outros diagnósticos.

Impactos Educacionais e Sociais

O Censo 2022 também analisou a frequência da população autista na escola. A taxa de escolarização é maior entre os autistas (36,9%) do que na população sem esse diagnóstico (24,3%), o que se explica pela maior concentração da população com TEA nas idades mais jovens, principalmente entre 6 e 14 anos.

A maioria dos alunos diagnosticados no espectro autista está no ensino fundamental: 508 mil crianças e adolescentes, representando 66,8% das crianças diagnosticadas com TEA no Brasil. No ensino médio, existem 93,6 mil adolescentes diagnosticados com autismo matriculados, representando 1,2% do total de alunos (7,7 milhões).

Esses dados indicam a necessidade de políticas educacionais inclusivas e adaptadas às necessidades específicas das pessoas com TEA, considerando o número crescente de diagnósticos e a presença significativa desses estudantes nas escolas brasileiras.

Considerações sobre o Debate “Epidemia, Moda ou Diagnóstico”

Um debate recorrente nas discussões sobre o aumento dos diagnósticos de autismo é se estamos diante de uma epidemia real, de uma “moda diagnóstica” ou simplesmente de um avanço na capacidade de identificação e diagnóstico.

Especialistas apontam que, embora exista um aumento real da prevalência, fatores como a ampliação do espectro, a maior conscientização e a redução dos critérios diagnósticos também contribuem significativamente para o crescimento dos números. É importante considerar que “toda família sempre teve aquele tio ‘estranho’ que fazia coisas estranhas ou era obcecado por coisas diferentes”, como mencionado em discussões online, sugerindo que muitos casos que hoje seriam diagnosticados como autismo passavam despercebidos no passado.

Por outro lado, há preocupações sobre possíveis diagnósticos excessivos ou precipitados, como indicado pelo estudo escandinavo mencionado anteriormente. O psiquiatra Paulo Mattos enfatizou que “sabemos que não é vacina e alimentação” como causas do autismo, refutando teorias sem embasamento científico que por vezes circulam nas redes sociais.

Conclusão

O aumento dos diagnósticos de autismo representa um fenômeno complexo e multifatorial, envolvendo tanto um possível aumento real da prevalência quanto mudanças nos critérios diagnósticos, maior conscientização e acesso à informação, além de fatores sociais como a idade dos pais.

Os dados recentes do Censo 2022 oferecem, pela primeira vez, um panorama nacional sobre a prevalência do autismo no Brasil, permitindo um melhor planejamento de políticas públicas e serviços de apoio. A semelhança entre os números brasileiros e americanos sugere que o fenômeno do aumento dos diagnósticos é global e segue padrões similares em diferentes países.

É fundamental que o debate sobre o tema continue, com base em evidências científicas e dados confiáveis, evitando tanto o alarmismo quanto a minimização da importância do diagnóstico correto e do suporte adequado às pessoas no espectro autista e suas famílias.

Referências

1. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo Demográfico 2022. Divulgado em maio de 2025.

2. BBC News Brasil. “13 revelações do Censo inédito sobre autistas e pessoas com deficiência no Brasil”. Publicado em 30 de maio de 2025.

3. Revista Crescer. “Por que os casos de autismo estão aumentando? Veja 5 possíveis explicações”. Publicado em 31 de maio de 2025.

4. Revista Crescer. “Brasil tem 2,4 milhões de pessoas com autismo; crianças e adolescentes são a maioria”. Publicado em 23 de maio de 2025.

5. Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC). Dados sobre prevalência de autismo nos Estados Unidos, 2022.

6. Evento “Desafios e tendências do Transtorno do Espectro Autista (TEA)”, realizado pelo Instituto D’Or em parceria com o Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP, em São Paulo, maio de 2025.

7. Discussões online em plataformas como Reddit e Instagram sobre o tema “2,4 milhões de brasileiros têm autismo: epidemia, moda ou diagnóstico”, maio de 2025.


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